Antonio Caringi – O Escultor dos Pampas
Antonio Caringi nasceu em Pelotas (RS), em 18 de maio de 1905. Filho de Antonio Caringi e Giuseppina Russomano Sica, imigrantes italianos vindos, respectivamente, das comuni de Lanciano-Abruzzo e Caposele-Avellino, na última década do século XIX. Ainda na infância, vivida a maior parte em Bagé (RS), Caringi já demonstrava vocação artística e um talento nato para dar forma à matéria. Na escola, esculpia pequenas figuras em giz para os colegas. Em casa, usava a terra preta das roseiras como matéria-prima de sua arte — o que resultava na repreensão dos pais. Recebeu de um relojoeiro da cidade a primeira porção de argila, que lhe permitiu continuar suas criações. Com a presença e o incentivo da tia Hermínia, realizou os primeiros trabalhos. Uma escultura de Santo Antônio marca o início de sua trajetória artística.
Em 1918, mudou-se para Porto Alegre (RS) para concluir os ensinos fundamental e médio. Em 1920, ao retornar a Pelotas, estudou taquigrafia no Colégio Gonzaga. De volta à capital, em 1923, ingressou no curso de Química Industrial da Escola de Engenharia. No entanto, a paixão pela arte falou mais alto e, pouco tempo depois, ele decidiu abandonar a carreira acadêmica na área das ciências para se dedicar integralmente à escultura. Em 1925, participou do célebre Salão de Outono em Porto Alegre, onde exibiu seis obras em gesso — entre elas, o busto de sua irmã Hilda, intitulado Menina Altiva, e Sr. A.C., possivelmente o seu pai —, que já evidenciavam a precisão e o realismo que se tornariam suas marcas registradas.
OS
ESTUDOS
NA
Europa
Obstinado pela escultura, Caringi tem seu talento reconhecido por influentes personalidades da época e é convidado para atuar como adido consular em Munique, na Alemanha, para onde se transfere em 1928. Lá, ingressa por concurso na Academia de Belas Artes e conclui a graduação em Escultura, em 1934. Nesse período, tem contato com grandes mestres da escultura europeia e aperfeiçoa seu talento, o que resulta em diversas menções honrosas nas exposições anuais da academia e em encomendas de trabalho.
Lista de alunos matriculados, com a assinatura de Caringi, seu local de nascimento – Pelotas, e o curso escolhido – bildhauer (escultor)
Com seu ateliê em Munique, participa de diversas exposições internacionais — no Glaspalast de Munique, em Berlim, Nápoles, Veneza, Istambul — e realiza várias viagens e estudos acadêmicos. Retrata o príncipe sueco Sigvard Bernadotte (1907–2002) e outras personalidades. Entre 1931 e 1934, também começa a receber reconhecimento de revistas e jornais brasileiros e estrangeiros, com referências e reportagens. Em 1933, obtém o Primeiro Grande Prêmio de Escultura da Sociedade Felipe d’Oliveira, do Rio de Janeiro.
Mesmo com muito trabalho na Europa, Caringi recebia seguidamente encomendas do Brasil. Estando no país em 1934, vence o concurso para a realização do Monumento Equestre ao General Bento Gonçalves, para a Exposição Internacional do Centenário Farroupilha, em Porto Alegre, no ano seguinte. De volta à Alemanha, passa boa parte de 1935 trabalhando exaustivamente em seu ateliê para realizar esta e outras obras que tinham como destino Porto Alegre e Pelotas (Sentinela Farroupilha).
Em janeiro de 1936, retorna ao Brasil para inaugurar a estátua de Bento Gonçalves, seu primeiro grande monumento público, e vê seu talento e sua dedicação reconhecidos pela crítica e pela população. Em junho, realiza ainda sua primeira exposição individual, na Biblioteca Pública do Estado do Rio Grande do Sul (BPE).
Retorno ao Brasil
e Vida em Família
Caringi ainda retornaria à Europa em 1937. Fixou seu ateliê em Berlim e fez viagens de estudos a países como Itália, Dinamarca, Suécia, França, Grécia e Turquia. Com o início da Segunda Guerra Mundial, decide voltar definitivamente ao Brasil, em 1940, e se estabelece em Pelotas. Em 1942, casa-se com a poetisa Noemi de Assumpção Osório, bisneta do Marquês do Herval, o marechal Manoel Luís Osório. O casal teve seis filhos: Fernanda, Antonia, Leonardo, Ângela, Glória e Rita.
Apesar da intensa carreira artística, com ateliês no Rio de Janeiro e em São Paulo, perto de suas fundições preferidas, Caringi sempre manteve um forte vínculo com sua família — é lembrado pelos filhos como um pai amoroso e brincalhão. Nos verões, costumava passar temporadas com todos os filhos e netos na “Villa Francisca”, o casarão da família, situado na avenida principal da Praia do Cassino, em Rio Grande (RS) — os jardins do espaço eram ornamentados com belas obras do escultor.
VIVENDO DA
ARTE E PELA ARTE
A partir de 1940, já com grande prestígio, Caringi se estabelece como um operário da arte e passa a viver do seu talento e da sua vocação, fazendo da escultura o seu ofício. Realiza por inspiração, concurso ou encomenda: bustos, hermas, medalhas, mausoléus, relevos, pequenas estátuas, além de um número expressivo de monumentos ao ar livre, em cidades como Porto Alegre, Pelotas, Rio Grande, Caxias do Sul, Bagé, Jaguarão, Passo Fundo, Três de Maio, Canguçu, Alegrete, São Gabriel, São Sepé e Vacaria. Fora do Rio Grande do Sul, faz monumentos em Laguna (Anita Garibaldi), Salvador (J. J. Seabra) e Rio de Janeiro (Saldanha da Gama). Há trabalhos seus em espaços públicos, coleções particulares e museus de Porto Alegre, Rio de Janeiro, São Paulo, Montevidéu, Buenos Aires, Havana, Nápoles, Nova Iorque, Detroit, Munique, Berlim e Figueira da Foz (Portugal).
A IDENTIDADE DO POVO GAÚCHO NOS GRANDES MONUMENTOS
Ao longo da carreira, Caringi eternizou, em pequenas esculturas e em grandes monumentos públicos, inúmeras figuras representativas da formação histórica e da identidade do povo gaúcho, o que lhe valeu o reconhecimento como o “Escultor dos Pampas”. Além do Monumento Equestre ao General Bento Gonçalves, o artista realizou o Monumento ao Expedicionário, no Parque Farroupilha, em Porto Alegre (1957). Em Pelotas, assina o Monumento ao Coronel Pedro Osório (1954) e o Monumento ao Colono (em 1958, por ocasião do centenário da colonização alemã), além do Sentinela Farroupilha. Em Laguna (SC), criou o Monumento a Anita Garibaldi, heroína da Revolução Farroupilha, em 1964. Outra obra consagrada de Antônio Caringi é o Monumento Nacional ao Imigrante em Caxias do Sul, inaugurado em 28 de fevereiro de 1954 pelo presidente Getúlio Vargas, durante as comemorações dos 75 anos de imigração italiana no Rio Grande do Sul.
Entre tantos monumentos do “Escultor do Pampas”, a Estátua do Laçador (1958) é a sua obra mais conhecida e emblemática, uma referência à figura do gaúcho rio-grandense pilchado como símbolo.
O LEGADO
Ao longo de sua formação acadêmica e da extensa trajetória artística, Caringi obteve reconhecimento e prestígio por parte da crítica e da imprensa. Em 1944, fruto do prêmio da Sociedade Felipe d’Oliveira, foi publicado o livro sobre seus primeiros 10 anos de carreira: Caringi: MCMXXXIV–MCMXLIV, edição bilíngue, com 336 páginas, um dos primeiros grandiosos livros de arte do Brasil, com dezenas de imagens de seus trabalhos, incluindo os projetos e estudos realizados na Alemanha.
Por seus méritos, Caringi obteve 11 premiações em concursos públicos e mostras de arte, entre elas: Medalha de Ouro e Prata no Salão Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro (1938), Grande Medalha de Ouro no II Salão do IBA-RS (1940) e prêmio para a primeira e a segunda maquetes no concurso para o Monumento a Fructuoso Rivera, em Montevidéu. Foi agraciado com medalhas, comendas e distinções em várias esferas, nacionais e estrangeiras. Em 1956, foi honrado pelo governo italiano com a distinção de Comendador da Ordem da Estrela da Solidariedade Italiana. O artista também integrou a comissão julgadora de concursos para monumentos públicos, entre os quais o do Monumento ao Duque de Caxias, em São Paulo, cujo vencedor foi Victor Brecheret.
Caringi foi o fundador do Curso Superior de Escultura da Escola de Belas Artes de Pelotas (hoje Centro de Artes da UFPel), onde lecionou por mais de 20 anos. O escultor também foi reconhecido com seu nome em logradouros públicos, espaços culturais e escolas em diferentes cidades do Rio Grande do Sul. Pelo conjunto de sua obra, memória e legado, Antônio Caringi encontra-se entre os artistas mais premiados e importantes da História da Arte do Brasil. Faleceu em Pelotas, no dia 30 de maio de 1981, aos 76 anos de idade.
Entre as obras de Caringi, nenhuma teve tanto impacto quanto a Estátua do Laçador. Criada a partir de um concurso realizado em 1954 para a Exposição do IV Centenário da Cidade de São Paulo, a escultura original ficou exposta no espaço central do pavilhão do Rio Grande do Sul. Após o evento, estava previsto que a estátua fosse oferecida à cidade de São Paulo. No entanto, tal foi a dimensão da recepção da obra por parte dos gaúchos, que houve uma reivindicação popular para que fosse instalada em Porto Alegre. A obra definitiva foi fundida em bronze e inaugurada em 20 de setembro de 1958, data alusiva à Revolução Farroupilha, no Largo do Bombeiro, com a presença do próprio Caringi e do então governador, Leonel Brizola.
A Estátua do Laçador tem 4,45 metros de altura e representa a essência do gaúcho tradicional, com postura firme e olhar imponente. A obra teve como modelo o folclorista Paixão Côrtes, que posou para o artista com a sua coleção de indumentária gauchesca. Côrtes já era, à época, um personagem fundamental da cultura e do movimento tradicionalista do Rio Grande do Sul, do qual foi um dos formuladores: fundou o primeiro Centro de Tradições Gaúchas, o “35 CTG”.
O Laçador foi declarado símbolo oficial da cidade de Porto Alegre (Lei Complementar Municipal n.º 279/1992) e escultura símbolo do Rio Grande do Sul (Lei Estadual n.º 12.992/2008). Mais que uma obra de arte, o Laçador é uma representação da identidade gaúcha e um verdadeiro ícone cultural do Rio Grande do Sul.
























